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Montadoras querem fim de subsídios para a Stellantis no Nordeste, que chegam a R$ 5 bi ao ano

11.08.2023


Beneficiários tentam incluir a prorrogação do incentivo, que deveria terminar em 2025, no texto da reforma tributária e mantê-lo por mais sete anos



Com subsídios, carros feitos pela Jeep em Goiana (PE) têm vantagens de 20% nos preços Foto:Jeep/Divulgação

Em uma ação inédita no setor, as principais fabricantes de veículos do País estão unidas no propósito de evitar a prorrogação de incentivos fiscais para montadoras instaladas no Nordeste e Centro-Oeste. O principal alvo é a Stellantis, dona das marcas Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, essa última com fábrica em Goiana (PE), inaugurada em 2015.


O grupo recebe cerca de R$ 5 bilhões ao ano em créditos de impostos. Com o benefício, modelos da marca fabricados na região ficam até 20% mais baratos na hora da venda. Só para comparação, o valor equivale a quase 12% dos R$ 40 bilhões que o texto da reforma tributária propõe para um fundo regional de desenvolvimento a ser repartido entre os 27 Estados brasileiros. “Já deu”, desabafa o executivo de uma das empresas, para quem o incentivo já cumpriu sua função.


Criado no fim dos anos 90 e previsto para durar até 2010, o benefício já foi prorrogado duas vezes, uma delas para incluir a Jeep. A última data estabelecida é até 2025, mas nas últimas semanas teve início um movimento para estender o prazo até 2032 por meio de adendo no texto da Reforma Tributária. A proposta foi rejeitada no Congresso por apenas um voto, mas deve voltar ao texto, com apoio do presidente Lula, para a votação do Senado que deve ocorrer até novembro.


“Hoje a competição já é totalmente desproporcional e desleal porque uma única empresa fica com quase todo o benefício”, ressalta o executivo. Além da Stellantis, é beneficiada pelo programa a fabricante de autopeças Moura, também de Pernambuco. Outras duas montadoras, Caoa/Chery e HPE/Mitsubishi, ambas de Goiás, passaram a receber incentivos em 2020 quando o Centro-Oeste foi incluído no regime especial, porém em condições bem mais modestas.


Atualmente, detentora de 31,5% das vendas de automóveis e comerciais leves do País, a Stellantis só produz em Goiana modelos de maior valor agregado, como utilitários esportivos (SUVs) e picapes. Um SUV como o Jeep Compass recolhe 2% em IPI e ICMS, enquanto modelos da categoria feitos no Sul e Sudeste pagam 23%. O dado está em um relatório que as empresas estão apresentando ao governo e a parlamentares para convencê-los a não prorrogar os incentivos. Um veículo vendido a R$ 317 mil tem abatimento de R$ 66 mil em impostos, por exemplo.


Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar a maturidade das políticas e dos resultados da concessão de benefícios tributários dos regimes automotivos indica que, desde 2010, o volume acumulado de recursos às empresas automobilísticas do Nordeste ultrapassou R$ 50 bilhões.


O estudo do TCU verificou que os regimes

“entregam pouco de desenvolvimento regional aos territórios beneficiados”. Segundo o relatório, “quando comparados aos locais que não receberam os benefícios, as regiões beneficiadas não apresentaram perfil superior de desenvolvimento econômico.”


O TCU avaliou que as empresas não promoveram a aglomeração industrial ao redor das fábricas e que a maior parte dos insumos de fornecedores continua vindo do Sul e do Sudeste. Como resultado, cada emprego gerado na fábrica em Pernambuco equivale à renúncia de R$ 34,4 mil mensais, cita o texto.


Guerra fiscal

Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, vê os incentivos como “a famosa guerra fiscal em que poucos ganham e muitos saem perdendo”. Em sua opinião, o benefício fiscal é válido para desenvolver uma região ou Estado, mas com prazo de validade determinado para não impactar a competitividade entre regiões e empresas.

“Uma vez que o benefício se estende ciclo após ciclo, não é benéfico para grande parte dos steakholders envolvidos, dando uma vantagem competitiva para poucos players do mercado”.


A Stellantis rebate afirmando que o regime especial é um mecanismo de desenvolvimento regional para compensar o gap logístico e competitivo, que ainda não foi equacionado. “Hoje, a operação instalada em uma região sem tradição industrial no setor continua sendo punida pela baixa formação da cadeia de fornecedores e pela distância em relação aos maiores centros consumidores”, afirma, em nota.


O grupo também alega que, para cada real de incentivo retornam outros R$ 5 de arrecadação para o Estado e o governo federal. A empresa informa que esses dados fazem parte de estudo feito no ano passado pela Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe).


O estudo também mostra que, em 2015 o grupo tinha 2.551 funcionários diretos e 7.619 indiretos (nos fornecedores). No ano passado eram 5 mil diretos e 9.849 indiretos, somando 14.849 trabalhadores. O total de fornecedores no complexo automotivo e nas cidades e Estados vizinhos saltou de 22 para 34 no período. A previsão da Stellantis é de chegar a 50 ainda neste ano e 100 nos próximos cinco anos.


”Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem lá e nesse momento não deve haver incentivo exclusivo no formato como está hoje”, diz Ricardo Bastos, diretor de Relações Governamentais da GWM, grupo chinês recém instalado em Iracemápolis (SP).


Segundo Bastos, a empresa não é contra incentivos regionais, mas eles teriam de entrar dentro da política automotiva de todo o setor, por meio do programa Rota 2030, que está em discussão no governo e estabelece benefícios para empresas que investirem em pesquisa, desenvolvimento e engenharia. “Do jeito que é hoje (o incentivo) cria distorções dentro do mercado.”


O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, também tem falado com ministros e parlamentares sobre as distorções que os incentivos a uma única fábrica no Nordeste causa às demais. “Política que gera desenvolvimento em uma determinada região é positiva, mas não pode prejudicar outra região”, afirma.


Selerges defende que os recursos hoje destinados a esse tipo de incentivo sejam alocados para o programa Rota 2030, seja para incentivar projetos de inovação, independente da região, e até mesmo para a renovação da frota de veículos velhos. (Estadão)

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