02.05.2024
Projeto de lei encaminhado ao Congresso regulamenta a implementação do novo IVA; veja os pontos sensíveis que serão discutidos no Legislativo
Quatro meses depois da promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, o governo enviou ao Congresso Nacional o primeiro projeto de lei complementar de regulamentação dos novos impostos sobre o consumo.
A proposta, com 360 páginas, traz o coração do novo sistema, que inclui a implementação do Imposto sobre Valor Agregado, o IVA, que unificará cinco tributos atuais em dois novos: a CBS, federal, e o IBS, de Estados e municípios. Trata-se de uma nova – e, provavelmente, ainda mais dura – batalha a ser travada no Congresso, com uma miríade de detalhes que serão alvo de lobbies e interesses variados, tanto de setores como de corporações e entes da federação.
Dentre os pontos mais controversos – que enfrentarão resistência na Câmara e no Senado – estão o Imposto Seletivo, o chamado imposto do “pecado”, que incidirá sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente, a cesta básica e os regimes diferenciados.
Além de todo o sistema de creditamento, uma vez que a reforma
prevê a chamada não cumulatividade plena – que acaba com a tributação em cascata e permite que as empresas se creditem dos impostos cobrados na etapa anterior da cadeira. Dessa forma, os tributos deixarão de incidir sobre outros tributos, como ocorre hoje. A dúvida é como isso será operacionalizado e se a devolução será, de fato, eficiente e rápida.
Qual vai ser a alíquota do novo IVA?
● O desenho final dessa regulamentação terá efeito direto
sobre a alíquota que será cobrada dos consumidores. O Ministério
da Fazenda estima uma alíquota padrão média de 26,5%, que
poderá variar de 25,7% a 27,3%, a depender de fatores como
sonegação e disputas de empresas com o Fisco.
Na quarta-feira, 24, ao entregar o projeto, Haddad lembrou que a
alíquota final também dependerá da votação no Congresso. Quanto mais exceções forem incluídas – ou seja, quanto mais setores e serviços entrarem nas regras de alíquotas menores –, maior será a alíquota padrão final.
Com esse patamar, será um dos maiores IVAs do mundo.
Atualmente, entre os países que adotam esse tipo de imposto, a
maior alíquota é cobrada na Hungria: 27%.
Os produtos e serviços, porém, não vão pagar a mesma alíquota. Haverá as seguintes categorias:
●Alíquota padrão: vai incidir sobre todos os produtos que não se
encaixarem nas outras faixas;
●Alíquota de 70% da padrão: será paga por profissionais liberais, como advogados, engenheiros, veterinários e arquitetos, dentre outros;
●Alíquota de 40% da padrão: será paga por setores como saúde,
educação, produtos agropecuários, produções artísticas, culturais e jornalísticas e transporte coletivo, entre outros;
●Alíquota zero: alguns produtos e serviços, como a cesta básica
nacional, não serão tributados.
O que vai ter na cesta básica?
● O projeto trouxe a lista dos itens que vão compor a cesta básica nacional – e que, portanto, terão imposto zero. O governo optou por uma lista reduzida, de apenas 15 itens, com foco em alimentos in natura ou minimamente processados:
Já ovos, produtos hortícolas e frutas, apesar de não estarem na
cesta básica, também terão alíquota zero. As carnes ficaram de fora da cesta básica e terão alíquota reduzida, com desconto de 60% em relação à alíquota cheia.
Alguns alimentos, porém, foram considerados de luxo e pagarão alíquota cheia, como atum, bacalhau, salmão, trutas, lagosta e ovas (caviar), foie gras, cogumelos e trufas. O varejo supermercadista já negocia a ampliação da cesta básica com imposto zero e fez duras críticas à ausência das carnes na lista.
“Estou muito preocupado com esse viés de separação de alimentação de uns (os mais ricos) e de outros (os mais pobres). Tenho a convicção de que o Congresso não vai deixar a população mais pobre sem acesso à proteína animal.” João Galassi, presidente da Associação Brasileira dos Supermercados (Abras)
A equipe econômica afirmou, porém, que mesmo fora da cesta
básica, as carnes serão menos tributadas na comparação com
os preços atuais. A ausência das proteínas foi justificada pelo peso da desoneração total desses produtos sobre a alíquota padrão do IVA – a inclusão na cesta representaria um acréscimo de 0,6 ponto porcentual.
Os alvos do ‘imposto do pecado’
● Um dos pontos mais sensíveis do projeto é o Imposto Seletivo,
chamado de “imposto do pecado”, que incidirá sobre produtos danosos à saúde e ao meio ambiente. Pela proposta do governo, serão alvo do Seletivo:
●Veículos;
●Embarcações;
●Aeronaves;
● Cigarros;
●Bebidas alcoólicas e açucaradas;
●Bens minerais extraídos – minério de ferro, petróleo e gás
natural.
Apesar da forte pressão da sociedade civil, os alimentos ultraprocessados ficaram de fora da lista. No caso dos veículos, a proposta é que as alíquotas variem de acordo com seis atributos, que estão em linha com o Programa Mobilidade Verde
(Mover), de incentivo tributário ao setor automotivo e foco em transição energética.
“O critério para incluir veículos, embarcações e aeronaves é porque eles são emissores de poluentes. Se eles (veículos) forem
sustentáveis, terão a alíquota zero no Imposto Seletivo. Isso está muito claro no projeto de lei complementar.” Bernard Appy, presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás (IBP)
Já os setores de petróleo e minério afirmam que a taxação de até 1% sobre a extração vai onerar as exportações, na contramão do que propõe a reforma tributária.
“Fizemos uma pesquisa em outros países e não encontramos Imposto Seletivo sobre petróleo em país nenhum. A Europa tributa carros e até casacos de pele, no caso da França, com o intuito de desestimular esse tipo de prática; ou itens de luxo, mas é sempre no consumidor final, nunca no produtor.” Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás(IBP)
“Na hora em que o governo foca apenas no minério de ferro fica visível que a única finalidade do Seletivo é arrecadatória. Se não fosse, ele teria criado um leque maior, feito algum tipo de cruzamento, analisado impacto ambiental.” Rinaldo Mancin, diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)
Em relação às bebidas alcoólicas, a tributação será proporcional ao teor alcoólico e ao volume de álcool na embalagem (que varia de acordo com o tamanho do recipiente). Essa fórmula, segundo o Ministério da Fazenda, é recomendada pelos organismos internacionais, como OCDE, OMS e Banco Mundial. Esse era um pleito da indústria da cerveja, que vem travando um duelo público com a indústria de bebidas destiladas, como mostrou o Estadão.
Os produtores de cachaça, gim e vodca tinham o objetivo – que agora será levado ao Congresso Nacional – de evitar essa taxação gradativa, alegando que isso faria com que “iguais fossem tratados como desiguais”.
Cashback
● A proposta prevê o chamado cashback – devolução de parte dos
tributos pagos – para a camada mais pobre do País. Segundo a Fazenda, a medida poderá beneficiar cerca de um terço da população.
O tamanho do cashback vai variar de acordo com o item:
● 100% da CBS (IVA federal) e 20% do IBS (IVA federal e
municipal) para aquisição de botijão de gás (13 kg);
● 50% da CBS e 20% do IBS para as contas de luz, água e esgoto e
gás encanado;
●E 20% da CBS e do IBS sobre os demais produtos.
Como ficam os profissionais liberais?
● A proposta listou os profissionais liberais que terão um desconto de 30% no recolhimento de impostos incidentes na prestação de seus serviços. Foram contempladas profissões como advogado, engenheiro e personal trainer.
Já profissionais da saúde terão um desconto maior, de 60%. Médicos, psicólogos e nutricionistas serão beneficiados. (Por Bianca Lima , Mariana Carneiro e Alvaro Gribel/ Estadão)